Uma história mal contada
A gripe suína, agora denominada influenza A, que ocupa amplos espaços mídiaticos, entrou no rol de fatos estranhos. No México morrem a cada ano 15 mil pessoas por doenças das vias respiratórias, isso muito antes da tal gripe. A mídia que destaca de forma sensacionalista o influenza praticamente ignora as condições de vida dos mexicanos e prefere se ocupar da gripe de agora, que alcançaram faixas pobres da população que não receberam tratamento adequado.
O governo de Felipe Calderón aproveitou o embalo para recomendar os mexicanos a não saírem de casa, isso em pleno 1º de Maio, quando os sindicatos e partidos políticos marcaram manifestações que denunciariam a política econômica aplicada no país por sucessivos governos e que reduziram o poder aquisitivo dos trabalhadores.
O pânico está instalado, tem até jogador de futebol tossindo que consegue apavorar os adversários. Mas um outro fato solta aos olhos. Os Laboratórios Roche e Glaxo são os únicos fornecedores de medicamentos para o combate à suposta pandemia de gripe. Estavam à beira da falência até semanas atrás, hoje, praticamente de um dia para o outro, suas ações no mercado de bolsas cresceram de forma exponencial. Donald Rumsfeld e Dick Cheney, acionistas desses laboratórios estão exultantes.
Pode até não ser, mas que esse negócio não cheira bem, não cheira.
Camelôs cariocas, acompanhando as peripécias do mercado, estão fazendo a festa vendendo máscaras, completamente diferentes das utilizadas no México, “para evitar a gripe”. Mas se a Roche e Glaxo podem, porque não os camelôs cariocas?
Além do mais, até agora os meios de comunicação não chegaram à conclusão sobre como a gripe se alastrou. Ao menos aqui no Brasil não se noticia a denúncia segundo a qual uma multinacional, que tem 50% de capital estadunidense, instalada no México, teria provocado a tal gripe. Trata-se da Granjas Carroll, que fica em Perote, uma localidade do Estado de Veracruz, cuja metade das ações pertence a Smithfield Foods, Inc., com sede em Virginia (USA). Esta multinacional não opera nos Estados Unidos porque foi punida por terem as suas criações de porco provocado contaminação.
Defensores do meio ambiente no México há algum tempo já tinham advertido sobre a possibilidade de a Granjas Carroll contaminar a área onde está localizada. Tanto o atual governo, como o anterior de Vicente Fox ignoraram as advertências.
Em matéria de Estados Unidos, as notícias que chegam é que a direita está fazendo uma campanha racista e preconceituosa contras os mexicanos e alguns mais extremistas chegam a defender a proibição de entradas dos estrangeiros. É gente saudosista de George W. Bush, que odeia não apenas os mexicanos como todos os imigrantes de um modo geral. É tradição histórica esse tipo de comportamento fascista por parte de estadunidenses que odeiam os que vêm de fora, da mesma forma que odiavam os indígenas, os verdadeiros donos das terras ocupadas.
O recorde em matéria de extremismo, segundo informa o jornalista Pablo Calvi, fica por conta do apresentador de rádio Michael Savage no seu programa "The Savage Nation". Savage, um dos maiores opositores à reforma imigratória de Obama, relacionou a epidemia de febre suína com a imigração ilegal e o bioterrorismo e assim se expressou: “vou falar desta horrível, horrível história sobre como os imigrantes ilegais trouxeram do México uma variedade mortal de gripe para os Estados Unidos".
Esse comunicador, que tem uma audiência de nove milhões de ouvintes, assegurou que a gripe é uma arma biológica criada pelos “inimigos da América” e complementou: “Janet Napolitano - a Secretária de Segurança Interna - nada pensa em fazer para deter o tráfico humano procedente do México".
Aqui no Brasil, as Organizações Globo, a Record, a Bandeirantes e outras têm prestado um desserviço à população na cobertura da gripe. O jornal O Globo apareceu com uma manchete de primeira página em que dizia que o Brasil não estava preparado para enfrentar a gripe. Em que se baseou o jornal para afirmar tamanha insanidade? Os editores, de forma irresponsável, no fundo tentam vender a idéia aos leitores de que a culpa é do governo. Como a linha do jornal está desde já voltada ao apoio do candidato do PSDB, possivelmente José Serra, vale tudo que indicar associação do atual governo com descalabro, mesmo que isso venha a inquietar a população.
Canais de TV a cabo, como a Record e a Band News, não fizeram muito diferente. Essa última chegou a mandar um repórter em uma área de consumo popular em São Paulo para perguntar aos compradores se estavam preocupados com a gripe e tomando providências para enfrentá-la. O entrevistado, com toda a sinceridade, desmontou o argumento ao afirmar que não havia pensado nisso. Era visível que o objetivo de criar um fato, ou seja, mostrar aos telespectadores que a gripe ainda chamada de suína, já estava no Brasil. Antes, a ênfase foi dizer que vários brasileiros estavam sob observação etc. Todo o clima era de demonstrar que o “perigo” tinha chegado ao Brasil. A reportagem forçava a barra.
Por estas e muitas outras que devem aparecer ao longo dos próximos dias, mas que a mídia comercial vai ignorar solenemente, a história da influenza A, ou seja lá a denominação que tiver, está muito mal contada e dá para desconfiar que aí tem truta.
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> Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Foi colaborador dos jornais alternativos Pasquim e Versus, repórter da Folha de S. Paulo (1975 a 1981) e correspondente da Rádio Centenária de Montevideo, além de editor de Internacional da Tribuna da Imprensa (1989 a 2004) e editor em português da revista cubana Prisma (1988 a 1989). Atualmente é correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho editorial do Brasil de Fato. É autor, entre outros, dos livros América Que Não Está na Mídia (Adia, 2006), Dossiê Tim Lopes - Fantástico/Ibope (Europa, 2004), A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982), América Latina - Histórias de Dominação e Libertação (Papirus, 1985) e Cuba - apesar do bloqueio, um repórter carioca em Cuba (Ato Editorial, 1986).