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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
A direita política e midiática criando doentes mentais
REVISTA FORUM
Com todas as possibilidades técnicas e jornalísticas do século XXI, a demência de alguns líderes políticos e o poder de algumas vias midiáticas de propaganda conseguem arrastar grandes setores da opinião pública para uma dissociação psicótica que ninguém sabe até onde pode nos levar.
Por Pascual Serrano
Em plena era da informação, é estarrecedor como se pode conseguir que amplos setores da opinião pública possam executar uma alteração tão impressionante da realidade. Na Venezuela, atende pelo nome de ‘dissociação psicótica’, isto que consiste em um processo mental pelo qual se cria no subconsciente do indivíduo uma realidade fictícia na qual todos os males e todo o mal que se sucede provém de uma só causa ou de uma só pessoa. A tese levantada pelos setores alinhados ao governo venezuelano e à manutenção da institucionalidade é que os meios de comunicação implantaram este modo de pensamento, de tal maneira que responsabilizam de forma patológica Hugo Chávez e o governo venezuelano por todo o mal que ocorre, perdendo assim qualquer capacidade de análise racional da realidade. O curioso é que não é somente na Venezuela que isto ocorre. Nos Estados Unidos se trata de uma forma de pensamento que não para de aumentar e se difundir entre a ultra direita política e midiática.
No dia 6 de março de 2003 o membro da Câmara de Representantes do Texas, Debbie Riddle, em uma entrevista ao jornal El Paso Times, afirmava: “De onde surge esta idéia de que todo o mundo merece uma educação gratuita, atenção médica gratuita, independente de quem seja? Vem de Moscou, da Rússia. Vem diretamente da boca do inferno. E é habilmente disfarçada como uma idéia de gente de bom coração. Nada de bom coração. Isso é o que rasga o coração deste país”1 . O professor de História da Universidade de Houston, Robert Zaretsky recordava2 que a supracitada congressista republicana levantou no início de 2010 aquilo que chamou de “o problema dos terroristas de bermudas”. Segundo ela, existiriam mulheres enviadas por terroristas que cruzariam a fronteira para dar à luz seus filhos em solo estadunidense. Uma vez crescidos, estes “agentes adormecidos” passariam à ação com o objetivo de disseminar o caos nos Estados Unidos.
Não se trata de uma paranóia exclusiva de Riddle; outro membro do Texas na Câmara de Representantes, Louie Gohmert, afirmou em um discurso pronunciado na Câmara em junho de 2010 que um ex-agente do FBI lhe havia contado sobre os “terror baby”. Segundo explicou mais tarde em uma entrevista ao Fox Business News, ele conheceu num avião um passageiro com um familiar que pertencia ao Hamas que lhe contou que este tinha a intenção de conseguir que um neto seu nascesse nos Estados Unidos3. Na entrevista, Gohmert afirmou que as mulheres grávidas viajam do Oriente Médio aos EUA com vistos de turista e munidas da intenção de dar a luz nos Estados Unidos e conseguir assim para seus filhos a cidadania estadunidense. Segundo Gohmer, depois a criança voltaria ao país de origem da mãe onde faria um treinamento com terroristas com o objetivo de voltar depois aos Estados Unidos. Quando o jornalista pediu a Gohmert que fornecesse provas disto, ele se limitou a indicar um artigo do Washington Post4 que descrevia o que denominam de turismo de nascimento (“birth tourism”). Tratava-se da existência de pacotes turísticos, em especial para cidadãos chineses, com o objetivo que a “turista” grávida tivesse seu filho em território estadunidense. Aquilo foi descrito pelo político republicano como um “enorme rombo na segurança do nosso país”. Perguntando pela relação disto com as crianças terroristas, afirmou: “Se você não acredita que isto é uma prova, é porque acha que os terroristas são mais tontos que estas pessoas empreendedoras” 5. O assunto foi de tal maneira absurdo que provocou uma paródia no The Daily Show6, mas sem dúvida, tendo em vista os hábitos eleitorais, não faltariam cidadãos para compartilhar a tese de Gohmert.
A paranoia política da ultra direita tem também seu correspondente braço midiático. O professor de literatura da Universidade de Illinois, Walter Benn Michaels, conta7 que no verão do ano passado, surgiu uma controvérsia entre duas “estrelas” da direita estadunidense da emissora Fox, em torno da pergunta: Qual é o inimigo mais perigoso dos Estados Unidos da América? O primeiro deles, Bill O’Reilly, responde o previsível: Al-Qaeda. Porém, o outro jornalista, Glenn Beck, afirmou: “não são os jihadistas os que ‘querem destruir nosso país’, mas sim ‘os comunistas’”. Pode se pensar que Beck somente respondeu mediante um condicionamento mental característico da Guerra Fria. No entanto, ele nasceu em 1964, e não pode conhecer este período com pleno uso da razão. Por outro lado, Beck não é um apresentador minoritário. Em 2009 seu programa foi um dos que obteve maior audiência de notícias comentadas na televisão a cabo, com oito milhões de espectadores. Em programas de outros canais, como a ABC, ele foi selecionado pelo público como uma das “10 pessoas mais fascinantes” de 20098 . E em 2010 o jornal The Times o incluiu entre os cem líderes políticos mais influentes9 .
Benn Michaels recorda que na lista dos best-sellers da Amazon, o ensaio político mais vendido é Caminho de Servidão, do economista ultraconservador austríaco Friedrich Hayek, falecido em 1992. Uma das teses do livro é que qualquer política dirigida diretamente a um ideal de justiça distributiva, isto é, o que se entende como uma distribuição “mais justa”, tem necessariamente que conduzir à destruição do império da lei. Nos Estados Unidos pode-se escutar o jornalista de rádio com maior audiência do país, Rush Limbaugh, alertando contra os espiões “comunistas” que “trabalham para Vladimir Putin” 10.
O fenômeno, como era de se esperar, não se restringe aos Estados Unidos nem à Venezuela. Na Itália, Silvio Berlusconi afirma que os comunistas querem eliminá-lo11, apesar dos comunistas não terem ali nem mesmo um só deputado nacional. Na Espanha, até mesmo o setores midiáticos próximos ao governo tentam dar o sinal de alerta sobre a paranoia da direita midiática12. Assim o denuncia o ex-diretor adjunto do jornal El País, José Maria Izquierdo, em seu livro As Cornetas do Apocalipse, onde passa por algumas das figuras da direita troglodita espanhola e suas “pérolas” de análise sobre a situação espanhola e o governo Zapatero. Ainda que valesse a pena recordar ao autor que foi em seu jornal que mais soaram as trombetas do apocalipse contra os governos progressistas da América Latina. Também se na Espanha se une a eles a Igreja, a instituição mais antiga na arte de disseminar o pânico e a angústia. O bispo de Córdoba assegurou que a Unesco tem um plano “para, nos próximos vinte anos, fazer com que a metade da população mundial seja homossexual” 13.
Em qualquer caso, a inquietante conclusão é a angústia de comprovar que, com todas as possibilidades técnicas e jornalísticas do século XXI, a demência de alguns líderes políticos e o poder de algumas vias midiáticas de propaganda consigam arrastar grandes setores da opinião pública para uma psicose, uma dissociação psicótica que ninguém sabe até onde pode nos levar.
Pascual Serrano é jornalista. Acaba de publicar o livro Traficantes de información. La historia oculta de los grupos de comunica