quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Corrupção é filha legítima da democracia burguesa

Cinco anos após ter acatado a denúncia da Procuradoria Geral da República e de ter aberto o processo contra 38 pessoas, em sua maioria empresários, deputados, ex-ministros, donos e diretores de bancos acusados de crime de corrupção, peculato¹, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Penal 470, o chamado “mensalão’’.
Na defesa oral perante o Supremo, a maioria dos advogados dos réus defendeu que não houve compra de votos no Congresso Nacional, mas financiamento ilegal de campanha eleitoral de partidos políticos, o caixa 2.
O advogado do deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP), Marcelo Luiz Ávila de Bessa sustentou que seu cliente,  à época presidente do Partido Liberal (PL), recebeu R$ 10 milhões do PT mas referente não à compra de votos, e sim para a campanha eleitoral dos candidatos do PL e apoiar a chapa Lula-José Alencar em 2002. Marcelo Bessa relatou que  houve um “acordo eleitoral para garantir a aliança entre o PT e o PL nas eleições presidenciais de 2002, o que desencadeou o acordo financeiro”. “Existia um temor com relação ao PT, que seria inimigo dos empresários, que entraria para estatizar a economia e se tornava necessário colocar um empresário que acalmasse e desse aparência à chapa, de que não se teria um governo ‘esquerdizante’. [...] Houve ‘partilhamento’ do caixa de campanha. Fez-se uma proporção então: três quartos daquele caixa ficariam com o PT (R$ 30 milhões) e um quarto (R$ 10 milhões), com o PL. Não se faz campanha sem dinheiro. E isso não é errado”, finalizou o advogado.
Na acusação, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que Valdemar Costa Neto recebeu, nos anos de 2003 e 2004, a quantia de R$ 8,8 milhões para votar no Congresso Nacional a favor do governo federal.
Arnaldo Malheiros Filho, advogado de Delúbio Soares, declarou em defesa de seu cliente que “O procurador disse que nunca foi respondida uma pergunta: por que tudo isso era transmitido em cash, porque não se faziam transações bancárias? Na verdade, porque era ilícito. Delúbio é um homem que não se furta responder por aquilo que fez, só não quer ser condenado pelo que não fez. Que ele operou o caixa 2 de campanha, operou. Que é ilícito é, isso ele não nega”.
Mas qual a diferença entre comprar votos de deputados para votarem no Congresso Nacional ou comprar o apoio de partidos inteiros, e consequentemente de suas bancadas, por meio do financiamento da campanha eleitoral?  Na essência, nenhuma.
Porém, o financiamento ilegal de campanha eleitoral, o caixa 2, embora proibido, não leva ninguém para a cadeia, pois os crimes eleitorais e de peculato prescrevem em dois anos. Ora, como um processo por corrupção demora pelo menos de três a cinco anos, alguns até dez anos, mesmo que o réu seja condenado ele não irá para a cadeia. Esta é uma das razões para não termos nenhum preso por corrupção entre os mais de 500 mil detentos existentes no Brasil, apesar dos constantes desvios de dinheiro, das licitações fraudadas, das obras inacabadas, de construtoras recebendo aditivos milionários,  não termos nenhum preso por corrupção entre os mais de 500 mil detentos existentes no Brasil.
Mensalão tucano
Não é a primeira vez que um esquema de compra de votos no Congresso Nacional ou de partidos é denunciado no país.
Em 1997, os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, confessaram em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, terem recebido cada um R$ 200 mil para votar a favor da emenda que estabelecia a reeleição para Presidente da República, favorecendo assim ao então presidente FHC. Os dois deputados disseram ainda que o intermediário do governo para a compra dos votos era o próprio presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Luiz Eduardo Magalhães, filho de Antônio Carlos Magalhães, mais conhecido como Toninho Malvadeza. A emenda da reeleição foi aprovada, FHC foi reeleito e continua recebendo até hoje salários de ex-presidente, e nenhum dos envolvidos foi sequer condenado.
Ainda aguarda julgamento no STF um esquema de corrupção operado em favor do PSDB pelo mesmo Marcos Valério e o Banco Rural quando da campanha pela reeleição do Governador Eduardo Azeredo em 1998, o “mensalão” do PSDB. Em 3 de dezembro de 2009, por cinco votos a três, o STF aceitou a denúncia contra o senador Eduardo Azeredo. Mas, passados quase três anos, o PSDB segue governando o Estado de Minas Gerais e Eduardo Azeredo, agora deputado federal, continua no Congresso Nacional votando leis, igual a Collor, Sarney, Renan Calheiros, entres outros.
A verdade é que tanto o caso da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição de FHC quanto a compra do apoio de partidos por meio do financiamento ilegal, são evidências claras do peso do dinheiro e dos que o possui, a classe capitalista, nas eleições realizadas numa democracia burguesa.  Daí a máxima de que “não se faz campanha eleitoral sem dinheiro” ou que “para ganhar uma eleição é preciso ter muito dinheiro”.
Um prova disso são os gastos que os quatro principais candidatos à prefeitura de São Paulo pretendem realizar nas eleições de 7 outubro: José Serra, do PSDB, declarou que vai gastar  R$ 98 milhões. Fernando Haddad, do PT, fixou em R$ 90 milhões. Gabriel Chalita, do PMDB, gastará até R$ 70 milhões e  Celso Russomanno, do PRB, prevê gastar R$ 30 milhões. Diga-se ainda que tais partidos são também os que dispõem de mais tempo na propaganda de rádio e de TV e também de exposição nos grandes meios de comunicação. Evidentemente, que com gastos milionários como esses, é difícil um candidato de um partido operário sem compromisso com a classe capitalista vencer uma eleição. Por isso, antes de se proclamar o resultado da eleição, os institutos de pesquisas fazem suas previsões de quais são os favoritos para ganhar as eleições, ou seja, os que têm mais dinheiro para gastar na campanha.
De fato, numa sociedade capitalista, o dinheiro está concentrado nas mãos dos donos dos bancos, das indústrias, das terras. Estes escolhem que partidos ou políticos financiar visando a ter o controle dos governos e dos parlamentos. Vitoriosos, esses partidos ou seus políticos tratam de retribuir as ricas doações recebidas com licitações, subsídios, favores, nomeação para cargos, negociatas, anistia de dívidas (Código Florestal), sonegação, favorecimento nos pagamentos a receber do governo, etc.
Em tal sistema, os partidos que não têm compromisso profundo com os trabalhadores, que não são verdadeiramente revolucionários ou deixaram de ser, terminam prisioneiros dos interesses dos donos do dinheiro e pouco a pouco vão mudando suas posições políticas, seus programas e traindo seus princípios. Alegam para a nova postura pragmática que os tempos são outros, embora o capitalismo continue promovendo a exploração do homem pelo homem, realizando guerras, espoliando as riquezas de dezenas de países, enfim, mais feroz e violento do que no século passado.
Financiamento público e privado das eleições
Como, então, garantir eleições verdadeiramente democráticas e limpas?
É claro que é preciso mudar o sistema eleitoral. Entretanto, o sistema eleitoral não existe por obra e graça do Espírito Santo. Ele é filho legitimo do próprio sistema econômico e político existente na sociedade, isto é, o capitalismo. Basta observar que em todas as democracias burguesas, bilhões são gastos nas eleições e a classe capitalista, dona do capital, termina controlando os governantes.
Os EUA, principal país capitalista do mundo e considerados como a democracia burguesa mais avançada do Planeta, é também onde mais se gasta dinheiro nas eleições: somente na eleição presidência deste ano, estima-se que serão gastos mais de US$ 1,5 bilhão.
Mitt Romney, candidato a presidente do Partido Republicano, tem entre seus principais financiadores os bancos Goldman Sachs, JP Morgan, Morgan Stanley Bank of America, Crediti Suisse Group e o conglomerado Koch Industries, que atua em petróleo, agropecuária, financeira, minérios, etc. Até agosto, a campanha já tinha arrecadado US$ 546 milhões (R$ 1,1 bilhão). Em troca desse apoio e com o pretexto de incentivar a economia, Romney defende eliminar os impostos para os mais ricos, cortar os programas sociais de assistência à saúde de idosos e crianças e ampla liberdade de ação para o capital financeiro.
Também Barack Obama, candidato à reeleição pelo Partido Democrata, segundo estudo do Center for Responsive Politics, arecada um terço do dinheiro de sua campanha no setor financeiro.
Diante desse quadro, alguns defendem que basta fazer uma reforma eleitoral e substituir o financiamento privado das eleições pelo financiamento público. Porém, mesmo nos países onde existe o financiamento público, o financiamento privado legal ou ilegal termina prevalecendo.
Vejamos o caso da França. Em 29 de fevereiro de 1993, o país aprovou a Lei para a prevenção da corrupção e da transparência, com o objetivo de controlar os partidos, candidatos e o uso de dinheiro nas eleições.  Dentre as várias regras, a lei estabelece que as doações  feitas aos candidatos são públicas, sendo proibidas doações de cassinos e de procedência estrangeira; que a prestação de contas é obrigatória, com  a  elaboração de balanços por parte de candidatos e partidos e  discriminação das receitas recebidas por origem e despesas por natureza.
 Contudo, como ficou provado, o ex-presidente Nicolás Sarkozy desrespeitou a lei, e recebeu recursos ilegalmente da dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt, para sua campanha eleitoral. Segundo a investigação em andamento, Liliane Bettencourt recebia proteção do governo para sonegar somas milionárias de impostos e em troca dessas vantagens tributárias entregava envelopes com dinheiro a membros do partido e ao próprio Sarkozy em jantares em sua mansão. Entretanto, devido à imunidade que tinha como presidente, só após deixar o cargo Sarkozy está sendo investigado.
Antes dele, o ex-presidente Jacques Chirac foi condenado a dois anos de prisão por ter criado postos de trabalho fictícios na Prefeitura de Paris e usado o dinheiro para sua campanha presidencial, mas, por conta da idade avançada, não cumpriu a pena.
Na Inglaterra, em 2006, o governo de Tony Blair foi denunciado por vender cargos no parlamento e títulos de lordes em troca de um empréstimo de 20 milhões de euros do empresário Gulam Noon para a campanha eleitoral do Partido Trabalhista. Noon recebeu o título de lorde após o empréstimo, mas com o escândalo sua nobreza foi suspensa.
O poder econômico
Como vemos, tanto nos EUA, na França e na Inglaterra, países de democracia burguesa e que possuem financiamento público de campanha, a corrupção e a manipulação das eleições pela classe rica determinam o jogo eleitoral. Trata-se de algo natural para um sistema egoísta cujo princípio maior é de quem tem riqueza tem o poder de escolher os governantes que a protejam e a façam frutificar. Em outras palavras, no século XXI, a democracia burguesa continua sendo “uma democracia limitada, amputada, falsa e hipócrita, um paraíso para os ricos e um engano para os explorados e para os pobres” (Lênin, A Revolução Proletária e o Renegado Kaustky). Ainda mais, hoje, quando todo esse processo é amparado por uma poderosa máquina de propaganda dos meios de comunicação controlados por monopólios e pelos institutos de pesquisas, a serviço daqueles que têm dinheiro para contratá-los com o único objetivo de manipular a opinião popular.
Ademais, num país onde cerca de 56 milhões de pessoas moram em comunidades com infraestrutura precária, mais de 20% da população vivem em situação de indigência ou extrema pobreza, a saúde é privatizada, e a riqueza produzida pela sociedade está concentrada nas mãos de uma reduzida minoria, ao ponto de o Brasil ser o 4º país de maior desigualdade da América Latina, como revelou relatório da ONU divulgado em agosto, a população torna-se alvo fácil para políticos que distribuem não só dinheiro, mas também água, óculos, cestas-básicas ou trocam votos por empregos.
Desse modo, o financiamento público da campanha pode durante um curto período diminuir o perverso efeito do dinheiro e dos seus donos nas eleições, mas logo os capitalistas encontram formas e maneiras de driblar as leis e garantir a continuidade da manipulação do processo eleitoral. Às vezes, quando acontece de um candidato preferido não obter sucesso, graças ao poder econômico que detém, os capitalistas tratam de subornar e corromper os eleitos para que seus interesses continuem intocáveis e o poder em suas mãos.
Logo, o peso do dinheiro, ou seja, do poder dos donos das indústrias, dos bancos e do agronegócio nas eleições, só deixará de existir quando a riqueza não for mais propriedade de uma minoria e passar para o controle social, para as mãos dos trabalhadores e do povo.
Por isso, a luta deve ser para mudar por completo o sistema e não apenas fazer uma reforma eleitoral. Para, entretanto, alcançar esse objetivo é essencial, além de realizar uma grande campanha de denúncias do sofrimento do povo e defender de maneira firme os direitos dos trabalhadores e da juventude, convencer as massas das limitações do sistema eleitoral burguês e de sua falsa democracia. E a melhor forma, no momento, de realizar essa agitação é denunciar a corrupção e a manipulação das eleições pelas classes ricas e seus partidos com o objetivo de manter a pobreza e aprovar leis e benefícios para as elites. Mas além da denúncia, é preciso convocar os trabalhadores, a juventude e todos os pobres a votarem nos candidatos verdadeiramente revolucionários e que lutam e defendem uma revolução popular para construir uma nova sociedade, a sociedade socialista, onde não haja nem ricos nem pobres. Em outras palavras, a principal tarefa dos revolucionários nas eleições é desenvolver a consciência das massas e organizá-las revolucionariamente no Partido Comunista Revolucionário.

Lula Falcão,
membro do Comitê Central do PCR

sábado, 21 de janeiro de 2012

Hackers e Resistentes


Carlos Alberto Lungarzo é matemático, nascido na Argentina, e mora no Brasil desde sua graduação. É professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo, e milita em Anistia Internacional desde há muito tempo, nas seções mexicana, argentina, brasileira e (depois do fim desta) americana. Tem escritos vários livros e artigos sobre lógica, estatística e computação quântica, mas seu interesse tem sido sempre os direitos humanos. MATERIA REPRODUZIDA DA REVISTA Consciência.Net
Hackers e Resistentes

Carlos A. Lungarzo
Em 1968, o líder negro americano caribenho Kwame Ture (1941-1998), mas conhecido como Stokely Carmichael, referiu-se otimistamente às enormes revoltas dos afrodescendentes que colocaram várias cidades do norte dos EEUU à beira do colapso, como reação contra o racismo da sociedade americana. Atribui-se a ele esta frase:
“Os EEUU conseguem matar milhões de vietnamitas porque os atacam desde fora. Mas, nós [negros] estamos dentro de seu país, misturados entre eles, e não podem nos bombardear sem atingir também sua própria gente”.
No momento atual, essa frase de Stok é de crucial importância. As corporações americanas estão tratando de afogar a liberdade que oferece a Internet, secundados por seus mais vermiformes subservientes da América Latina, como os propugnadores de uma lei brasileira chamada por seus inimigos de “AI5 cibernética”, em lembrança do Ato Institucional número 5 da ditadura militar, que cortou absolutamente todas as liberdades.
Mas os resistentes a esta opressão contra a liberdade de informação não podem ser assassinados massivamente como iraquianos e afegãos, pois não estão num único espaço físico e não são diferenciáveis pela cor de pele, nem pelo sotaque nem pelas vestes.
Os revolucionários da Internet estão em todas as partes, como os negros americanos dos anos 60 e, ainda melhor, eles ocupam espaços em diferentes países, podendo formar uma rede de solidariedade como jamais teria sido sonhada há 30 anos.
A idéia de escrever este artigo apareceu em minha mente após ler o post de hoje de Celso Lungaretti sobre o site Megaupload, um texto curto, mas excelente. (Vide)
A Batalha da Internet
Faz tempo que setores de direita das Américas e da Europa querem amordaçar a Internet. As razões são múltiplas. Por um lado, está o argumento de que os internautas que baixam música e filmes para uso pessoal, sem interesse comercial, podem levar à falência as grandes empresas gravadoras e de cinema. Para tocar a sensibilidade pública, os autores deste apelo ainda acrescentam que esses internautas prejudicam os autores, porque estes não recebem direitos quando os clientes “roubam” em vez de comprar.
O respeito pelo autor seria justo em muitos casos, mas acontece que os que mais precisam desses direitos (que são o 99% de autores desconhecidos que não recebem fortunas por seu trabalho), justamente são aqueles ludibriados pelos empresários, que, pelo menos no Brasil, quase nunca pagam sua porcentagem. Eu pessoalmente decidi colocar vários livros meus na Internet (textos sobre lógica, matemática, e o dez vezes editado O Que é Ciência), quando vi que meus direitos de autor por mais de 30.000 exemplares eram furtados pelo grupo familiar que dirige a editora que os publicou.
Mas, há outros motivos para o novo nazismo cibernético. Para o capitalismo, tão importante como o benefício econômico é o poder de controlar opiniões, de censurar, de cercear a propagação das idéias libertárias, de continuar impondo superstições, crendices, slogans, evitando que a população se eduque, pois, pela primeira vez, países como os da América Latina têm uma oportunidade (ainda remota, mas viável) de tornar esclarecidas as massas hoje mantidas na desinformação.
Importante também para o fascismo neoliberal é a formação de um catálogo de possíveis inimigos, de pessoas que denunciam abusos, que propõem uma sociedade mais humana, que defendem perseguidos, etc. O pretexto de cuidar os direitos de autor e de evitar os roubos informáticos de bancos (sic!) foi usado pela máfia Brasileira da “AI5 cibernética” para justificar a identificação de todos aqueles que entrem na Internet. Isto seria o maior elenco de possíveis vítimas que nem a Inquisição, nem o Nazismo, nem o Macartismo, se tivessem podido trabalhar juntos, jamais poderiam ter obtido.
As campanhas pela Internet não penetram ainda em todos os meios, porque modificar o paradigma de comunicação talvez não seja possível em duas gerações, mas elas têm-se mostrado poderosos aliados das causas nobres. A defesa dos direitos humanos, da ecologia, dos direitos dos animais, do pacifismo, do antirracismo, do antifascismo, do combate contra o estado policial/militar, etc., são hoje objetivos mais visíveis do que eram 10 anos antes.
Por sua vez, as causas mais sujas, como o racismo, o belicismo, o ódio, etc., não se beneficiam tanto da Internet, embora devamos colocar atenção nos perigos deste fenômeno, e exigir do Ministério Público que se tomem as medidas já previstas em lei contra mensagens de ódio.
A Internet não é tão útil à direita, porque, por um lado, ela dispõe da mídia convencional, muito mais clássica e contundente, que entra em todos os lares e só precisa a vocação do público de se intoxicar passivamente. Mas, por outro lado, embora a WWW faça possível que pessoas desconhecidas e sem nenhum poder social divulguem seu pensamento, não fabricam o pensamento, pois este deve ser fornecido pelo usuário. Então, a direita, órfãa de pensamentos coerentes, fica esperando que a própria Internet fabrique suas matérias.
Um fato muito evidente durante a luta pela não extradição do escritor italiano Cesare Battisti, foi que, embora os blogues de ódio se multiplicassem e se enchessem de palavrões e pieguices demenciais, a maioria deles apenas era lida pelos que já pensavam daquele jeito e simplesmente encontravam nesse lixo um espelho para suas próprias taras.
Era como masturbar-se vendo a própria imagem, o que, para sermos justo, só vale se a pessoa se considera atraente para si mesma. Como alguns desses fascistas tinham certa autocrítica, decidiram abdicar desta contemplação e poucas vezes entraram naqueles sites infetos.
Por causa da possibilidade (ainda incerta) de que o Congresso americano aprove duas leis de policiamento de Internet (SOPA e PIPA), vários sites importantes, dos quais o mais gigantesco é o da Wikipedia, decidiram um “apagão” durante o 18/01, como protesto contra o que poderia ser, se aprovado, o maior projeto mordaça na Internet.
Mas, com ou sem SOPAS e PIPAS, o FBI continuou sua provocação, fechando o valioso portal de Megaupload, e prendendo quatro de seus coordenadores.
A resposta dos resistentes da Internet não se fez esperar (vide). Um grupo autodenominado Anonymous (vide) se atribuiu a desconexão de sites do Ministério da Justiça, do FBI e de empresas de Copyright dos EEUU, numa ação de envergadura ainda nunca vista no ciberespaço, que atingiu redutos considerados inexpugnáveis e, segundo foi difundido pelos autores, mobilizou mais de 5.300 voluntários.
O sistema defensivo dava a oportunidade de colaborar a pessoas que não teriam o know how e talvez tampouco desejassem assumir o risco de agir diretamente: Anonymous exportou livremente links que podiam ser voluntariamente clicados (se quisessem), por aqueles que os recebiam, colocando o fluxo de sua máquina na corrente de ação contra os servidores dos algozes.
É bem sabido que a Internet reúne o maior conjunto de voluntários por causas nobres, entre os que se contam excelentes especialistas em informática, capazes de responder com eficiência ao fogo destrutivo disparado por instituições cujo poder financeiro e operacional é infinitamente maior.
Este assunto merece um esclarecimento. Para a maioria da população, um profissional da computação é identificado com um jovem que gastou a totalidade de seu salário com as mensalidades de uma faculdade de centésima categoria, para obter um diploma que lhe permite fazer alguns ajustes num sistema operacional, desenvolver um software administrativo, e reproduzir, por exemplo, um pacote para espionar os moradores de num prédio. Estes jovens estão a soldo de empresas de todos os tamanhos que lhes pagam apenas o suficiente para que se sintam sábios e importantes.
Mas, muitas pessoas ignoram que há milhares de jovens esclarecidos, apaixonados não pelo aspecto nerd da computação, mas pelas grandes possibilidades que a informação oferece para melhorar nosso planeta, e que atuam, seja em grupo, seja individualmente, como antídotos contra a poluição mental disparada desde os grandes provedores das empresas de telecomunicações.
Um fenômeno como Wikileaks não poderia ter surgido de um grupo de yuppies interessados em desenvolver “shells” para bancos, ou sistemas de tempo real para o exército americano (que, dito seja de passagem, de vez em quando falham e acabam gerando “fogo amigo”). Tampouco são matemáticos ou computólogos que vendem pacotes financeiros de eficiência inverificável a investidores inescrupulosos e ignorantes (mas com muito dinheiro).
Wikileaks surgiu de um grupo de intelectuais, cientistas, jornalistas e, especialmente, ativistas de direitos humanos, ecológicos e da informação, de muitos países diferentes. Entre eles há grandes experts em computação, alguns dos fundadores do Fórum Social Mundial, dissidentes chineses e de outras ditaduras, etc., todos os quais (cerca de 2000) são voluntários. Eles entraram na organização não por hobby, mas seriamente preocupados pela falta de liberdade e direitos no planeta. A organização não cultua nenhum sectarismo e deixa conhecer o material que obtém (preservando a fonte) a algumas agências e órgãos da mídia (a minoria séria e bem intencionada), que respeita a liberdade de opinião. (Para mais detalhes, vide)
A importância de Wikileaks foi diminuída com azedo despeito por alguns jornalistas brasileiros que disseram que “não havia nada de novo” naquelas propostas da nova ONG. Mas seus patrões americanos, geralmente melhor informados, não participam deste ufanismo. Não é por acaso que durante anos Julian Assange é perseguido pelos EEUU, em cumplicidade com parte de judiciário sueco e dos tribunais britânicos, e que membros do partido Republicano dos EEUU tem proposto a pena de morte para ele.
Nenhum é tão importante como Wikileaks, mas há outros grupos de defensores da liberdade na Internet que trabalham ativamente. Não só é necessária a existência de grupos que podem difundir abundante informação confidencial, mas também grupos de ação que preparam os contra ataques contra governos e empresas que tentam matar essa liberdade.
Como os grupos de direitos humanos (os autênticos), as organizações Verdes, os partidos Piratas (iniciados na Suécia), as ONGs pelas liberdades sexuais, pela defensa das crianças e das mulheres, os grupos antirracistas e outros, estes resistentes da Internet fazem parte de uma esquerda humanista muito diferente dos velhos partidos.
O Que é um Hacker?
O termo hacker foi demonizado pelo sistema capitalista e seus ideólogos e usado como desqualificação, da mesma maneira em que palavras como subversivo e terrorista são aplicados a qualquer que luta contra a opressão social ou, ainda, contra quem se manifesta contra ela, mesmo sem fazer nenhum ato físico.
De acordo com o dicionário da gíria hacker, um hacker é alguém interessado em computação que tenta explorar ao máximo as possibilidades dos sistemas programáveis, analisando de maneira profunda sua estrutura, em oposição à atitude mais comum na maioria dos usuários, que é conhecer o indispensável.
Veja uma excelente e objetiva descrição do projeto hacker aqui.
Os hackers fazem parte de uma subcultura do mundo da informação, e geralmente se identificam com:
: A liberdade de expressão, de informação, de distribuição do conhecimento e de acesso às fontes.
: A defesa de privacidade dos que fornecem informação, mantendo se sigilo, caso estes entendam que podem sofrer retaliação.
: A transparência de todos os atos públicos, e a cobrança dessa transparência dos poderes estabelecidos.
: O combate à comercialização do conhecimento, a censura, e ao patenteamento do conhecimento científico e natural.
: A unidade dos que defendem a informação e a aquisição de consciência através do contato internacional contínuo, considerando desprezíveis barreiras políticas, fronteiras nacionais, e outros artifícios criados por interesses políticos, econômicos, militares e religiosos.
Entre os grandes movimentos hackers estão aqueles que criaram o software livre, algo que o Brasil se recusou a adotar, preferindo as engenhocas da Microsoft, cuja compra foi mais lucrativa para os funcionários encomendados para realiza-la.
Linus (Luis Benedito) Torvalds, grande pesquisador nórdico, inventor de uma versão flexível de linguagem Unix (o LINUX) é um dois hackers mais conhecidos.
Legítima Defesa
Parece justo na maioria dos casos que, se alguém está mirando em tua direção para te matar e você tiver a oportunidade, possua o direito de se defender, mesmo se a defesa for letal para o atacante. Mas, como qualquer ação letal é desagradável, se você for atacado, pelo menos tem o claro direito de destruir a arma de seu inimigo, caso tenha suficiente pontaria e rapidez (como sabem os que assistiram muito faroeste na infância onde o mocinho faz estourar o Colt do bandido).
Na guerra internética, a questão é ainda mais clara. Se alguém esmaga teu direito à informação, à educação, ao desenvolvimento da tua inteligência, você tem todo o direito de destruir a arma com a qual se consuma esse ataque. E, melhor ainda, neste caso você sabe que não matará nem ferirá ninguém. Apenas fará cair os lucros desaforados dos representantes do fascismo de mercado. E, se seu exemplo se disseminar, talvez dentro de algumas gerações se consiga derrotar totalmente o monopólio capitalista da informação, e se tenha uma verdadeira sociedade da informação, que é o oposto exato do processo de “poluição de cérebro” (quem disse “lavagem”?) que faz a mídia.
Para acabar com a resistência internética, os recursos dos empresários e seus aliados políticos e militares são insuficientes, porque não há maneira de comprar as mentes mais autênticas (que são muitas mais do que os feitores capitalistas acreditam). Eles investem bilhões em estruturar a Inteligência Artificial e conseguem alguns triunfos, mas isso é insuficiente, porque se precisa também a inteligência natural e a sensibilidade biológica. É verdade que essa inteligência pode resolver muitos problemas trilhões de vezes mais rápido que o mais talentoso dos humanos, mas os problemas resolvidos são sempre os que não requerem de criatividade. O caso mais conhecido para o grande público, que causa sempre confusão, é o do xadrez.
Hoje ninguém pode ser tão desafiante como David Levy, o enxadrista que, em 1978, pensava que poderia vencer qualquer computador futuro. Muitos antes disso, em 1913, o matemático alemão Ernst Zermelo provou que jogos como o xadrez são algorítmicos, de modo que o jogador que começa o jogo (caso nunca cometesse um erro, e excluindo a possibilidade de empate), deveria ser o primeiro em dar mate. (Uma versão deliciosamente simples e elegante para público no profissional do teorema de Zermelo pode ver-se aqui).
Para construir uma máquina invencível pelo homem, o problema é conseguir a velocidade suficiente para cumprir os tempos oficiais (que o jogador humano pode aproveitar melhor por sua capacidade intuitiva), o que requer, no final da linha de produção, um planejamento que só pode ser feito por uma inteligência humana. Essa máquina talvez já esteja sendo construída, pois desde a Deep Blue (o supercomputador IBM que jogou contra Garry Kasparov em 1998), os progressos têm sido rápidos e frenéticos.
Além do xadrez, os computadores podem vencer os humanos em muitos aspectos. Isto, às vezes apresentado como grande descoberta por charlatões e escritores de (pseudo) ciência ficção, não é nenhuma novidade. Já os babilônicos descobriram que as máquinas podem ser superiores ao homem em muitos aspectos… como lançar projéteis, por exemplo.
Mas, em qualquer paradigma viável de Inteligência Artificial, um robô não pode ter iniciativa. Quando isto for possível (se for), como nos romances de Asimov, será porque teremos dado um salto qualitativo e aí haverá um novo conceito de ser humano. Mas, estes novos humanos também terão sensibilidade e, embora feitos de chips e não de neurônios, também se revoltarão contra seus tiranos como os “humanos convencionais” fazem. Por sinal, Asimov não mostra a possibilidade de um mundo de homens mecanizados, mas de máquinas humanizadas…
A inteligência não é garantia de honestidade nem de bons propósitos. Como contraexemplo está o terceiro maior cientista do século 20 (Werner Heisenberg), que fora partidário do nazismo. O dogma de que a virtude e o saber vão juntos é uma herança platônica, sacralizada por Santo Tomás. Talvez ele tenha inventado esse slogan para consolar-se pela falta de neurônios nas cabeças de seus colegas de devoção.
Mas, a inteligência global de um sujeito não deve ser confundida como a capacidade específica para um tipo de ação que requer uma rotina ou uma forma parcializada de concentração mental (como tem o cientista ultra especializado, o jogador de xadrez ou aqueles agentes de CIA que conseguem decorar mais de mil números de telefone).
Estou pensando na inteligência total, aquela que permite discernir a verdadeira estrutura da realidade, incluindo, é claro, a realidade social com suas relações de dominação e resistência. Esse tipo de inteligência conduz, inevitavelmente, a entender que qualquer forma de dominação por classe ou corporações é desumana, e se existem algumas mentes brilhantes que se vendem ao sistema, isso acontece porque a sensibilidade e a inteligência do sujeito é derrotada por sua própria ambição.
Mas, a experiência mostra que há grande quantidade de pessoas realmente inteligentes que não vendem seus neurônios ao capitalismo e que encontram sua verdadeira satisfação em se proclamar livres.
Casos de grandes talentos, como os do grupo Manhattan, que colocaram sua inteligência ao serviço da barbárie militar ou policial, são exceções. Como todos sabem, Einstein se arrependeu de ter sido apenas um peão no tabuleiro do Pentágono, e justificou sua colaboração com os militares (aos que dedicou numerosas amostras de desprezo em suas obras sociológicas) por causa de seu terror ao nazismo.
É verdade que há numerosos matemáticos e físicos que trabalham em projetos dos exércitos ou das políticas, mas eles são quase sempre mentes doentias, ou então, medíocres tecnocratas sem nenhuma criatividade que encontram em seus patrões não apenas dinheiro, mas um reconhecimento que nunca teriam na comunidade científica. Não é por acaso que a história registre com detalhe os grandes cientistas que se entregaram, por dinheiro, vaidade ou fanatismo, a projetos destrutivos. Eles podem ser lembrados porque são poucos. Entretanto, se fizermos uma lista dos grandes cientistas italianos do século 20, veríamos que mais de 80% eram de esquerda.
O caso de Brasil é bem claro: os grandes físicos brasileiros, como Mário Schemberg, Leite Lopes e muitos outros, foram devotados ativistas pelo socialismo e os direitos humanos e sofreram a maníaca perseguição das casernas, enquanto os postos científicos nas áreas bélicas e repressivas foram cobertos por tecnocratas inexpressivos, que galgaram secretarias, reitorias e empregos de dedos duros. Por sinal, a dispersão e aniquilamento desses talentos por militares e fascistas (incluindo o Estado Novo), explica por que o Brasil nunca teve um prêmio Nobel, apesar de enorme excelência destes pesquisadores. Em síntese: cientistas mercenários há muitos, mas os de grande talento são poucos. Os mais talentosos são quase todos progressistas, e eles são os que criam ferramentas de defesa contra a ofensiva tecnológica da direita.
Estas considerações otimistas não impedem de pensar que as elites podem acabar ou cercear a liberdade na Internet. Eles não têm a racionalidade, mas têm abundante força bruta.
Mas o preço para fazer isto deveria ser muito alto. Se fosse instalado um sistema de censura rígida como em ditaduras truculentas, tipo China ou Irã, com certeza mesmo os setores de centro-direita se oporiam. O caso de Cuba mostra que um sistema medianamente autoritário, que possua alguns limites, não pode impedir a sobrevivência, mesmo dura, de alguns blogueiros independentes. Precisa-se de uma violência ainda maior para calar qualquer resistência.
Portanto, os que tenham condições ou vocação pela informática e estejam dispostos a ajudar a construir um mundo melhor, o melhor que podem fazer é juntar-se aos hackers da resistência, porque, ao combater com os métodos de controle e repressão das empresas de comunicações e seus governos títeres, farão possível a difusão de comunicação e, portanto, da consciência.
Em alguns anos, o mundo terá vários milhões de hackers, e cada vez o sistema terá mais dificuldade em combatê-los. É uma alternativa duríssima, mas vale o risco: o mundo oscila entre voltar à repressão feroz do nazismo, mas agora muito mais letal, e a possibilidade de tornar-se uma grande comunidade humanitária.