Cinco anos após ter acatado a denúncia da Procuradoria Geral da República e de ter aberto o processo contra 38 pessoas, em sua maioria empresários, deputados, ex-ministros, donos e diretores de bancos acusados de crime de corrupção, peculato¹, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Penal 470, o chamado “mensalão’’.
Na defesa oral perante o Supremo, a maioria dos advogados dos réus defendeu que não houve compra de votos no Congresso Nacional, mas financiamento ilegal de campanha eleitoral de partidos políticos, o caixa 2.
O advogado do deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP), Marcelo Luiz Ávila de Bessa sustentou que seu cliente, à época presidente do Partido Liberal (PL), recebeu R$ 10 milhões do PT mas referente não à compra de votos, e sim para a campanha eleitoral dos candidatos do PL e apoiar a chapa Lula-José Alencar em 2002. Marcelo Bessa relatou que houve um “acordo eleitoral para garantir a aliança entre o PT e o PL nas eleições presidenciais de 2002, o que desencadeou o acordo financeiro”. “Existia um temor com relação ao PT, que seria inimigo dos empresários, que entraria para estatizar a economia e se tornava necessário colocar um empresário que acalmasse e desse aparência à chapa, de que não se teria um governo ‘esquerdizante’. [...] Houve ‘partilhamento’ do caixa de campanha. Fez-se uma proporção então: três quartos daquele caixa ficariam com o PT (R$ 30 milhões) e um quarto (R$ 10 milhões), com o PL. Não se faz campanha sem dinheiro. E isso não é errado”, finalizou o advogado.
Na acusação, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que Valdemar Costa Neto recebeu, nos anos de 2003 e 2004, a quantia de R$ 8,8 milhões para votar no Congresso Nacional a favor do governo federal.
Arnaldo Malheiros Filho, advogado de Delúbio Soares, declarou em defesa de seu cliente que “O procurador disse que nunca foi respondida uma pergunta: por que tudo isso era transmitido em cash, porque não se faziam transações bancárias? Na verdade, porque era ilícito. Delúbio é um homem que não se furta responder por aquilo que fez, só não quer ser condenado pelo que não fez. Que ele operou o caixa 2 de campanha, operou. Que é ilícito é, isso ele não nega”.
Mas qual a diferença entre comprar votos de deputados para votarem no Congresso Nacional ou comprar o apoio de partidos inteiros, e consequentemente de suas bancadas, por meio do financiamento da campanha eleitoral? Na essência, nenhuma.
Porém, o financiamento ilegal de campanha eleitoral, o caixa 2, embora proibido, não leva ninguém para a cadeia, pois os crimes eleitorais e de peculato prescrevem em dois anos. Ora, como um processo por corrupção demora pelo menos de três a cinco anos, alguns até dez anos, mesmo que o réu seja condenado ele não irá para a cadeia. Esta é uma das razões para não termos nenhum preso por corrupção entre os mais de 500 mil detentos existentes no Brasil, apesar dos constantes desvios de dinheiro, das licitações fraudadas, das obras inacabadas, de construtoras recebendo aditivos milionários, não termos nenhum preso por corrupção entre os mais de 500 mil detentos existentes no Brasil.
Mensalão tucano
Não é a primeira vez que um esquema de compra de votos no Congresso Nacional ou de partidos é denunciado no país.
Em 1997, os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, confessaram em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, terem recebido cada um R$ 200 mil para votar a favor da emenda que estabelecia a reeleição para Presidente da República, favorecendo assim ao então presidente FHC. Os dois deputados disseram ainda que o intermediário do governo para a compra dos votos era o próprio presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Luiz Eduardo Magalhães, filho de Antônio Carlos Magalhães, mais conhecido como Toninho Malvadeza. A emenda da reeleição foi aprovada, FHC foi reeleito e continua recebendo até hoje salários de ex-presidente, e nenhum dos envolvidos foi sequer condenado.
Ainda aguarda julgamento no STF um esquema de corrupção operado em favor do PSDB pelo mesmo Marcos Valério e o Banco Rural quando da campanha pela reeleição do Governador Eduardo Azeredo em 1998, o “mensalão” do PSDB. Em 3 de dezembro de 2009, por cinco votos a três, o STF aceitou a denúncia contra o senador Eduardo Azeredo. Mas, passados quase três anos, o PSDB segue governando o Estado de Minas Gerais e Eduardo Azeredo, agora deputado federal, continua no Congresso Nacional votando leis, igual a Collor, Sarney, Renan Calheiros, entres outros.
A verdade é que tanto o caso da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição de FHC quanto a compra do apoio de partidos por meio do financiamento ilegal, são evidências claras do peso do dinheiro e dos que o possui, a classe capitalista, nas eleições realizadas numa democracia burguesa. Daí a máxima de que “não se faz campanha eleitoral sem dinheiro” ou que “para ganhar uma eleição é preciso ter muito dinheiro”.
Um prova disso são os gastos que os quatro principais candidatos à prefeitura de São Paulo pretendem realizar nas eleições de 7 outubro: José Serra, do PSDB, declarou que vai gastar R$ 98 milhões. Fernando Haddad, do PT, fixou em R$ 90 milhões. Gabriel Chalita, do PMDB, gastará até R$ 70 milhões e Celso Russomanno, do PRB, prevê gastar R$ 30 milhões. Diga-se ainda que tais partidos são também os que dispõem de mais tempo na propaganda de rádio e de TV e também de exposição nos grandes meios de comunicação. Evidentemente, que com gastos milionários como esses, é difícil um candidato de um partido operário sem compromisso com a classe capitalista vencer uma eleição. Por isso, antes de se proclamar o resultado da eleição, os institutos de pesquisas fazem suas previsões de quais são os favoritos para ganhar as eleições, ou seja, os que têm mais dinheiro para gastar na campanha.
De fato, numa sociedade capitalista, o dinheiro está concentrado nas mãos dos donos dos bancos, das indústrias, das terras. Estes escolhem que partidos ou políticos financiar visando a ter o controle dos governos e dos parlamentos. Vitoriosos, esses partidos ou seus políticos tratam de retribuir as ricas doações recebidas com licitações, subsídios, favores, nomeação para cargos, negociatas, anistia de dívidas (Código Florestal), sonegação, favorecimento nos pagamentos a receber do governo, etc.
Em tal sistema, os partidos que não têm compromisso profundo com os trabalhadores, que não são verdadeiramente revolucionários ou deixaram de ser, terminam prisioneiros dos interesses dos donos do dinheiro e pouco a pouco vão mudando suas posições políticas, seus programas e traindo seus princípios. Alegam para a nova postura pragmática que os tempos são outros, embora o capitalismo continue promovendo a exploração do homem pelo homem, realizando guerras, espoliando as riquezas de dezenas de países, enfim, mais feroz e violento do que no século passado.
Financiamento público e privado das eleições
Como, então, garantir eleições verdadeiramente democráticas e limpas?
É claro que é preciso mudar o sistema eleitoral. Entretanto, o sistema eleitoral não existe por obra e graça do Espírito Santo. Ele é filho legitimo do próprio sistema econômico e político existente na sociedade, isto é, o capitalismo. Basta observar que em todas as democracias burguesas, bilhões são gastos nas eleições e a classe capitalista, dona do capital, termina controlando os governantes.
Os EUA, principal país capitalista do mundo e considerados como a democracia burguesa mais avançada do Planeta, é também onde mais se gasta dinheiro nas eleições: somente na eleição presidência deste ano, estima-se que serão gastos mais de US$ 1,5 bilhão.
Mitt Romney, candidato a presidente do Partido Republicano, tem entre seus principais financiadores os bancos Goldman Sachs, JP Morgan, Morgan Stanley Bank of America, Crediti Suisse Group e o conglomerado Koch Industries, que atua em petróleo, agropecuária, financeira, minérios, etc. Até agosto, a campanha já tinha arrecadado US$ 546 milhões (R$ 1,1 bilhão). Em troca desse apoio e com o pretexto de incentivar a economia, Romney defende eliminar os impostos para os mais ricos, cortar os programas sociais de assistência à saúde de idosos e crianças e ampla liberdade de ação para o capital financeiro.
Também Barack Obama, candidato à reeleição pelo Partido Democrata, segundo estudo do Center for Responsive Politics, arecada um terço do dinheiro de sua campanha no setor financeiro.
Diante desse quadro, alguns defendem que basta fazer uma reforma eleitoral e substituir o financiamento privado das eleições pelo financiamento público. Porém, mesmo nos países onde existe o financiamento público, o financiamento privado legal ou ilegal termina prevalecendo.
Vejamos o caso da França. Em 29 de fevereiro de 1993, o país aprovou a Lei para a prevenção da corrupção e da transparência, com o objetivo de controlar os partidos, candidatos e o uso de dinheiro nas eleições. Dentre as várias regras, a lei estabelece que as doações feitas aos candidatos são públicas, sendo proibidas doações de cassinos e de procedência estrangeira; que a prestação de contas é obrigatória, com a elaboração de balanços por parte de candidatos e partidos e discriminação das receitas recebidas por origem e despesas por natureza.
Contudo, como ficou provado, o ex-presidente Nicolás Sarkozy desrespeitou a lei, e recebeu recursos ilegalmente da dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt, para sua campanha eleitoral. Segundo a investigação em andamento, Liliane Bettencourt recebia proteção do governo para sonegar somas milionárias de impostos e em troca dessas vantagens tributárias entregava envelopes com dinheiro a membros do partido e ao próprio Sarkozy em jantares em sua mansão. Entretanto, devido à imunidade que tinha como presidente, só após deixar o cargo Sarkozy está sendo investigado.
Antes dele, o ex-presidente Jacques Chirac foi condenado a dois anos de prisão por ter criado postos de trabalho fictícios na Prefeitura de Paris e usado o dinheiro para sua campanha presidencial, mas, por conta da idade avançada, não cumpriu a pena.
Na Inglaterra, em 2006, o governo de Tony Blair foi denunciado por vender cargos no parlamento e títulos de lordes em troca de um empréstimo de 20 milhões de euros do empresário Gulam Noon para a campanha eleitoral do Partido Trabalhista. Noon recebeu o título de lorde após o empréstimo, mas com o escândalo sua nobreza foi suspensa.
O poder econômico
Como vemos, tanto nos EUA, na França e na Inglaterra, países de democracia burguesa e que possuem financiamento público de campanha, a corrupção e a manipulação das eleições pela classe rica determinam o jogo eleitoral. Trata-se de algo natural para um sistema egoísta cujo princípio maior é de quem tem riqueza tem o poder de escolher os governantes que a protejam e a façam frutificar. Em outras palavras, no século XXI, a democracia burguesa continua sendo “uma democracia limitada, amputada, falsa e hipócrita, um paraíso para os ricos e um engano para os explorados e para os pobres” (Lênin, A Revolução Proletária e o Renegado Kaustky). Ainda mais, hoje, quando todo esse processo é amparado por uma poderosa máquina de propaganda dos meios de comunicação controlados por monopólios e pelos institutos de pesquisas, a serviço daqueles que têm dinheiro para contratá-los com o único objetivo de manipular a opinião popular.
Ademais, num país onde cerca de 56 milhões de pessoas moram em comunidades com infraestrutura precária, mais de 20% da população vivem em situação de indigência ou extrema pobreza, a saúde é privatizada, e a riqueza produzida pela sociedade está concentrada nas mãos de uma reduzida minoria, ao ponto de o Brasil ser o 4º país de maior desigualdade da América Latina, como revelou relatório da ONU divulgado em agosto, a população torna-se alvo fácil para políticos que distribuem não só dinheiro, mas também água, óculos, cestas-básicas ou trocam votos por empregos.
Desse modo, o financiamento público da campanha pode durante um curto período diminuir o perverso efeito do dinheiro e dos seus donos nas eleições, mas logo os capitalistas encontram formas e maneiras de driblar as leis e garantir a continuidade da manipulação do processo eleitoral. Às vezes, quando acontece de um candidato preferido não obter sucesso, graças ao poder econômico que detém, os capitalistas tratam de subornar e corromper os eleitos para que seus interesses continuem intocáveis e o poder em suas mãos.
Logo, o peso do dinheiro, ou seja, do poder dos donos das indústrias, dos bancos e do agronegócio nas eleições, só deixará de existir quando a riqueza não for mais propriedade de uma minoria e passar para o controle social, para as mãos dos trabalhadores e do povo.
Por isso, a luta deve ser para mudar por completo o sistema e não apenas fazer uma reforma eleitoral. Para, entretanto, alcançar esse objetivo é essencial, além de realizar uma grande campanha de denúncias do sofrimento do povo e defender de maneira firme os direitos dos trabalhadores e da juventude, convencer as massas das limitações do sistema eleitoral burguês e de sua falsa democracia. E a melhor forma, no momento, de realizar essa agitação é denunciar a corrupção e a manipulação das eleições pelas classes ricas e seus partidos com o objetivo de manter a pobreza e aprovar leis e benefícios para as elites. Mas além da denúncia, é preciso convocar os trabalhadores, a juventude e todos os pobres a votarem nos candidatos verdadeiramente revolucionários e que lutam e defendem uma revolução popular para construir uma nova sociedade, a sociedade socialista, onde não haja nem ricos nem pobres. Em outras palavras, a principal tarefa dos revolucionários nas eleições é desenvolver a consciência das massas e organizá-las revolucionariamente no Partido Comunista Revolucionário.
Lula Falcão,
membro do Comitê Central do PCR